29 de out. de 2010

(Texto longo) Viajando de trem até a Central do Brasil

O mundo se modernizou, as máquinas, a comunicação e a tecnologia evoluíram, mas um detalhe não muda, é o fluxo de pessoas que saem de casa todos os dias a caminho dos grandes centros, muitas vezes para realizar trabalhos que, pela lógica do mundo conectado, poderiam ser feitos com tranquilidade em suas casas. O movimento da manhã é intenso, engarrafamentos, discursões no trânsito, motoqueiros desvairados, ônibus e trens lotados… e por falar em trens lotados, esse é o meu preferido !


Viajar de trem é uma experiência única, é claro que tem gente que vive essa experiência única todos os dias, mas para quem não tem, eu recomendo, pelo menos pelo aspecto antropológico, uma espécie de observação participante. O processo é conhecido por todos, é só chegar na estação, escolher a fila dos que são portadores do vale-transporte eletrônico Rio Card e dos que vão pagar em dinheiro, depois é só descer as escadas até a estação e esperar o bendito trem, enquanto espera é aconcelhável que você passe a sua carteira para o bolso da frente e veja as últimas notícias dos tablóides de 50 centavos. Essa parte é muito importante, quem sabe você não descobre que o seu chefe foi cortado em quatro porque não quis pagar o estacionamento para o flanelinha ou você descobre que a mulher que contou as suas experiências sexuais na novela das oito (Leia-se: Novelas do Manoel Carlos), resolveu se aconselhar com a Cicarelli (Essa comparação poderia ser melhor compreendida em 2006).


A chegada do trem na estação é um momento sublime (já dizia a platéia que assistiu a primeira exibição cinematográfica da história). As milhares de pessoas que estão espalhadas na plataforma escolhem uma das portas e vão acompanhando-a até o trem parar. Quando o trem para é melhor ainda! A cena se parece com aqueles combates medievais, os que estão saindo do trem se chocam com os que estão entrando. Não importa o número de pessoas que estão envolvidas, esse processo tem que ser concretizado em menos de 15 segundos, após esse tempo o apito do trem toca e os interessados em prosseguir a viajem devem se espremer e de preferência empurrar todos os outros passageiros contra o outro lado do vagão (mais ou menos no estilo Olga Benário, todo mundo apertadinho esperando chegar o seu destino final). Cuidado! Caso você resolva levantar os seus pés por qualquer motivo corre o sério risco de ficar sem vaga para ele.


Os vagões dos trens são lugares místicos! Um fenômeno incrível acontece diariamente! As pessoas que conseguem lugares para sentar, misteriosamente, são arrebatadas por um sono profundo, nem as velhinhas com suas enormes bolsas lançadas sobre as pernas dos dorminhocos conseguem libertá-los. Essas pessoas só despertam desse estado inanimado quando surgem as suas respectivas estações.


Enfim chega a estação final! Todos os passageiros, batedores de carteiras, vendedores de jornal, jogadores de baralho, dorminhocos e gladiadores saem pelas portas do trem a mais ou menos 30 Km/h em direção a saída, lembrando uma corrida de cavalos no Hipódromo da Gávea, mas a semelhança não para por aí! O público também é cheio da grana e muito glamuroso, são os patrões que esperam anciosamente ver a nossa folha de ponto para saber como estamos e, a partir daí, avaliar se vão continuar apostando em nós.


Em tese os passageiros do trem estão todos atrasados, como o nosso país. Somos pontuais em algumas coisas como a corrupção, nesse ranking estamos nas cabeças (Pelo menos essa honra nós não poderíamos deixar de ter). Até que nós somos bons em tecnologia, em quase todas as bancas podemos encontrar os programas que nos quisermos para o nosso computador, somos os maiores exploradores dos principais sites americanos como Youtube, Orkut e Msn, nossos vídeogames são desbloqueados, na nossa tv a cabo todos os canais são liberados, de graça! Nossa energia vem direto do poste, nossa água desvia do hidrômetro, nossos telefones são clonados… somos bons mesmo! Eu tenho orgulho de ser brasileiro além de gostar muito de viajar até a Central do Brasil.

Depois do final da Novela (Artigo)

Antes de começar a assistir uma nova novela, se pararmos para pensar um pouquinho chegaremos a conclusão de que, muito provavelmente, será uma novela bem previsível, com casais apaixonados se desfazendo nos primeiros capítulos (e se reencontrando no final), assassinatos misteriosos, gêmeos idênticos com personalidades divergentes (O "Tonho da Lua" já achava isso chato há muito tempo), traições (provavelmente você irá torcer para alguém tomar um chifre), personagens com vícios terríveis, núcleo de atores ricos desfilando de terno o dia todo (a probabilidade de um desses atores morarem no Leblon é enorme)... Dificilmente identificamos o trabalho de cada personagem, um dos atores da trama será muito rico, dono de uma empresa gigantesca e com muita dificuldade de encontrar um herdeiro responsável para assumir o seu posto. A maioria dos personagens trabalha para ele e quem não trabalha, provavelmente os protagonistas, não trabalha em lugar nenhum (dentro do universo das novelas deve existir alguma coisa como um "Bolsa Protagonista").

O final da novela é a parte mais desprezível. Alguém irá se apaixonar repentinamente (a tia solteirona da trama é claro!), assassinatos serão desvendados (incrível! A pessoa mais tranquila da novela - tipo o mordomo - foi a assassina!), um jovem irá descobrir o seu verdadeiro pai... Porém o mais esperado! Os últimos minutos do último capítulo terá um surpreendente... casamento (Entre os convidados pode estar até pessoas que já morreram durante a trama, os casamentos dos últimos capítulos não fazem discriminação de convidados). 

A minha proposta é que as novelas possam começar ao contrário. É exatamente após os fatos que ocorrem no final das novelas que a novela da vida real começa. Os casais que se casaram precisam equilibrar e apreender a conviver com a vida a dois, o assassino preso irá contratar vários advogados para reduzir a pena (ou alegar distúrbio mental), a tia que se apaixonou repentinamente pode descobrir que o seu namorado pode ser um cafetão... Enfim, quero propor uma novela que comece depois do final...

Inspirado em um comentário da minhã irmã Thais Valim: "Porque ninguém fala da vida após o final da novela?"